
E prossegue, desconfiado: “Nos 11 meses
que ainda me restam nós vamos continuar. Se de alguma coisa me arrependo
durante o meu governo é de não ter tido a audácia de resistir àqueles
que resistiram à Norte-Sul. Mas, compensarei, sem dúvida, esta omissão,
depois de deixar a Presidência, pois no dia em que parar a construção
desta estrada, eu estarei ali presente, naquele lugar (aponta para os
trilhos), esperando até o dia em que ela recomece a ser feita.” Depois
que deixou a Presidência, em março de 1990, a obra foi interrompida
várias vezes – até hoje não foi concluída. Nem por isso Sarney se sentou
nos trilhos. Esse tipo de enfrentamento não faz parte de seu perfil.
No dia seguinte, Sarney tomou o trem de
volta a São Luís. À medida que a composição avançava, ele ia se
animando. Concedeu entrevistas em portunhol, disse que não trocaria a
dívida externa do País por compensações ambientais e fez mais discursos
em Açailândia e Santa Inês. Ali, diante do povo do Maranhão, ele parecia
ganhar coragem e valentia, mas isso era em 1989. Com o tempo, esse
mesmo Maranhão rejeitou Sarney.
Isolado no PMDB – que havia apoiado até
uma CPI da Corrupção contra o governo federal – e pelo então governador
maranhense Epitácio Cafeteira, e sabendo-se sem chances de ser eleito
senador – um passo atrás para quem havia sido presidente da República e
governador aos 35 anos –, só lhe restou mudar o domicílio eleitoral para
o Amapá. E, pelo novo Estado, criado pela Constituinte que convocou,
fez-se senador até hoje. Agora, 25 anos depois de ter deixado o
Maranhão, e aos 84 de idade, com problemas de saúde, ele pressentiu de
novo o risco de enfrentar uma eleição sem a certeza de vitória. Decidiu
se aposentar.
Paralisações. Naqueles 11 meses que lhe
restavam, em 1989, Sarney não tinha apoios no Congresso e via à sua
volta uma sequência de greves – 8.790, segundo ele mesmo contou – que
prejudicava tanto o setor privado quanto o estatal. A Assembleia
Constituinte que convocara, um feito político tido como de coragem, que o
levaria definitivamente para a democracia, tentara tirar dele dois anos
de mandato. Teve de negociar muito para perder só um. Adversários o
acusaram de distribuir concessões de emissoras de rádio e de TV em
proveito próprio.
Tudo isso acontecia sob as vistas
grossas do então deputado Ulysses Guimarães, que se empenhava em
assegurar sua candidatura à Presidência pelo PMDB, justamente para
suceder ao presidente acuado. Sarney julgava-se vítima de ingratidão
tanto da parte de Ulysses – que mandara e desmandara no governo – quanto
do PMDB. Três anos antes, por causa do Plano Cruzado que o presidente
lançara no início de 1986, o partido havia se consagrado nas urnas,
elegendo 22 dos 23 governadores. Ainda um fruto dos alegres dias dos
“fiscais do Sarney”.
Faltando 11 meses para o fim do governo –
e enquanto Sarney inaugurava os primeiros trechos da ferrovia Norte-Sul
–, o País presenciava a intensa movimentação para a eleição do primeiro
presidente depois do golpe militar. O grande vitorioso foi Fernando
Collor de Mello, com o discurso de “caçador de marajás”, e que na
campanha havia atacado Sarney de forma violenta.
Lula. Negociador por natureza, assim que
Sarney chegou ao Planalto o clima mudou – ficava para trás o tempo dos
generais e a liberdade de informação se espalhava por toda parte.
Conciliador, aproximou-se de Luiz Inácio Lula da Silva, que tanto o
atacara e fora um crítico ferrenho da Norte-Sul, e de Epitácio Cafeteira
(PTB), que lhe fechou as portas no Maranhão e o empurrou para o
distante Amapá.
Mas, como afirmam assessores e políticos que lhe foram próximos, ele nunca foi santo.
Sarney apoiou, por exemplo, a censura
imposta ao Estado pela Justiça de Brasília, a pedido de seu filho
Fernando – caso que o Judiciário está por resolver há 1.734 dias. Também
não perdoou o escritor Millôr Fernandes, que fez duras críticas ao
livro Brejal dos Guajas, lançado por Sarney quando era presidente. Para
Millôr, era “uma obra-prima sem similar na literatura”, pois “só um
gênio poderia fazer um livro errado da primeira à última frase”. Quando
Millôr morreu, em 2012, intelectuais do País inteiro lhe fizeram
homenagens. Sarney não apareceu.
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